do Estadão
Supermercado sem comida é incendiado em Concepción; Exército mata saqueador e amplia toque de recolher para diminuir onda de anarquia nas áreas afetadas pelo terremoto

Apesar do toque de recolher e do envio de mais 7 mil soldados e tanques a Concepción – uma das cidades mais afetadas pelo terremoto de 8,8 graus na escala Richter que abalou o sul do Chile na madrugada de sábado -, as ondas de saque continuaram ontem. Pelo menos 1 pessoa morreu e 160 foram detidas por não respeitar o toque de recolher, ampliado ontem das 20 horas até o meio-dia de hoje. As autoridades advertiram que vão atirar para matar em quem desrespeitar a medida. O anúncio foi feito em meio às críticas do presidente eleito, Sebastián Piñera, à lentidão do governo da presidente Michelle Bachelet em conter os saques. O número de mortos pelo terremoto subiu ontem para 723. Há pelo menos 19 desaparecidos, entre eles 1 brasileiro na cidade de Concepción, segundo o embaixador do Brasil no Chile, Mário Vilalva.
Milhares de pessoas saíram ontem novamente às ruas para saquear mercados, lojas de roupas e eletrodomésticos, farmácias e postos de gasolina em Concepción, a segunda maior cidade do Chile, com 670 mil habitantes. Na Rua Freyre e Lacoyan, o supermercado Polar ardia em chamas num incêndio causado por saqueadores furiosos que, ao ver que nada restava nas gôndolas, atearam fogo no prédio.
Para moradores da cidade, o reforço militar era “insuficiente”. Somente entre as 10h30 e o meio-dia o Estado viu de perto 12 saques no centro de Concepción e imediações. Moradores, em pânico pelo movimento de gangues armadas, ergueram barricadas nas esquinas de suas ruas.
Enquanto os saques a comércios eram realizados em plena luz do dia, residências eram saqueadas à noite. Esse era o caso em Chiguayante, a 15 quilômetros de Concepción. “Em nossa rua fizemos uma barricada em cada esquina. Os saqueadores aproximaram-se de noite, mas nós disparamos para o alto para afugentá-los” disse ao Estado o técnico Adolfo Delgado.
Na cidade portuária de Talcahuano, milhares de pessoas saqueavam lojas e mercados enquanto havia luz natural, já que a área estava sem energia desde sábado. Um dos estabelecimentos saqueados era um grande posto de gasolina.
Em meio ao caos, bombeiros tentavam resgatar sobreviventes no edifício de 14 andares de Concepción que se partiu em dois. As equipes disseram ter escutado pedidos de socorro de três pessoas. Entre 50 e 80 moradores podem estar sob os escombros.
O governo chileno está sendo duramente criticado pela lentidão na reação à tragédia. No domingo, o ministro da Defesa, Francisco Vidal, reconheceu que a Marinha se apressou em levantar o alerta de tsunami. Ondas de até 15 metros atingiram cidades costeiras e o arquipélago de Juan Fernández. Ontem, o aumento dos saques irritou a prefeita de Concepción, Jacqueline van Rysselberghe.
“Nós, chilenos, somos muito bons para mandar ajuda para fora (em alusão ao Haiti), mas é um absurdo termos ficado sábado e domingo com presença nula das forcas de segurança. O governo não podia ter demorado tanto”, disse ao Estado a prefeita. “Isso foi uma negligência da presidente Bachelet”, acrescentou. O presidente eleito Piñera, que toma posse dia 11, disse que os saques são “inaceitáveis”. “O governo tem de assumir sua responsabilidade e acabar com o vandalismo”, disse.
No final da tarde, Bachelet colocou mais três cidades, além de Concepción, sob toque de recolher – Talca, Cauquenes e Constitución, onde a medida vale da meia-noite às 6 horas. Ela também anunciou o envio de mais 7 mil soldados do Exército e 320 toneladas de ajuda, em uma ponte aérea, às zonas afetadas pelo terremoto. Bachelet fez as declarações em uma base aérea, onde recebeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.