


Paulo Henrique Amorim, o Festival da Juventude e a tentativa esdrúxula de retirar o foco da construção de espaços democráticos
Nesta edição do festival, a palestra de abertura ficará por conta do jornalista Paulo Henrique Amorim.
| Por Uelber Barbosa*
Vitória da Conquista se prepara para o Festival da Juventude. O evento, realizado pela Prefeitura de Vitória da Conquista desde 2012, reúne jovens de diversos municípios e promove debates, palestras, atividades autogestionadas e shows com artistas locais e de renome nacional.
O Festival da Juventude talvez seja o evento juvenil de maior destaque no norte-nordeste e tem se configurado como espaço democrático onde as diversas juventudes constroem a programação juntamente com os gestores municipais. Nesta edição do festival, a palestra de abertura ficará por conta do jornalista Paulo Henrique Amorim, que atua no jornalismo brasileiro desde o início dos anos 60 e já passou por diversas emissoras. Atualmente, apresenta o programa Domingo Espetacular, da Rede Record, e é o responsável pelo blog Conversa Afiada. A pertinência do convite feito ao jornalista para ser o principal palestrante nesta edição do Festival se dá pelo fato de estarmos vivendo um momento complexo da democracia brasileira. Momento em que a política se sobrepõe aos outros setores da vida social, levando a juventude a trilhar caminhos complicados, retrógrados, incluindo aí o apoio de muitos jovens a um possível retorno à ditadura militar. A palestra de abertura, neste sentido, promete ser um grande espaço de informação e formação para nossa juventude.
O jornalista tem se envolvido em várias polêmicas por expressar suas opiniões de forma contundente e apaixonada. Todavia, uma polêmica nos chama atenção por ter sido motivo de críticas ao convite feito a Amorim para ministrar a palestra de abertura do Festival: trata-se do fato de ele ter criticado o também jornalista Heraldo Pereira, da Rede Globo. Em 2009, Amorim publicou em seu blog que Heraldo seria um “negro de alma branca” que “não conseguiu nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”. Por estas palavras ele foi condenado por Injúria Racial, mas recorreu da pena.
Na defesa, o jornalista explica o teor de suas acusações. Segundo ele “NEGRO DE ALMA BRANCA É O NEGRO QUE NÃO OLHA PARA TRÁS – PARA A CHAGA DA ESCRAVIDÃO, OU, COMO DIRIA JOAQUIM NABUCO: ‘NÃO BASTA ACABAR COM A ESCRAVIDÃO. É PRECISO DESTRUIR SUA OBRA.’ É A OBRA QUE ESTÁ ABERTA AINDA HOJE, COMO COMPROVAM AS ESTATÍSTICAS DO IBGE, DOS CÁRCERES BRASILEIROS, DAS CRACOLÂNDIAS. NEGRO DE ALMA BRANCA PODE SER AQUELE QUE NÃO ASSUME A SUA PRÓPRIA CONDIÇÃO DE NEGRO PARA COMBATER O RACISMO E O PRECONCEITO CONTRA O NEGRO. CONTRA ELE, CONTRA A MÃE, O PAI, OS IRMÃOS. É O NEGRO QUE OLHA PARA OUTRO LADO. QUE FINGE QUE NÃO VÊ. ACHA QUE NÃO É COM ELE. NEGRO DE ALMA BRANCA DE PRESTÍGIO, UMA CELEBRIDADE, É O NEGRO QUE NÃO SE VALE DA POPULARIDADE E DO PRESTÍGIO PARA DEFENDER O NEGRO PRESO À CORRENTE DA ADVERSIDADE. NEGRO DE ALMA BRANCA PODE SER TAMBÉM AQUELE QUE SE PRESTA A COONESTAR AS POSIÇÕES, AS TESES DE QUEM É CONTRA OS DIREITOS CIVIS DOS NEGROS OU DOS QUE COMBATEM AS POLÍTICAS QUE PODEM DAR INDEPENDÊNCIA ECONÔMICA E RECONHECIMENTO SOCIAL AOS NEGROS. SÃO AQUELES QUE DEFENDEM PSEUDO POLÍTICAS ANTROPOLÓGICAS QUE CONGELAM A DESIGUALDADE E A DISCRIMINAÇÃO.” E segue afirmando que “CONCESSIONÁRIA DE UM BEM PÚBLICO – O ESPECTRO ELETRO-MAGNÉTICO – A GLOBO CONGELA A DESIGUALDADE. CRISTALIZA SUPOSTAS VERDADES CONVENIENTES, APROPRIADAS, QUE TOMAM A FORMA DE DOGMAS. NEGRO DE ALMA BRANCA É O NEGRO BEM SUCEDIDO QUE NÃO DEFENDE OS NEGROS – QUE DESMENTE A NECESSIDADE DE POLÍTICAS FOMENTADORAS DA IGUALDADE RACIAL E CORROBORA A TESE DE ALI KAMEL DE QUE O BRASIL NAO É RACISTA. A EXPRESSÃO “NEGRO DE ALMA BRANCA” É EXATAMENTE UMA CRITICA AO RACISMO.”
Poderíamos encerrar o texto aqui, pois já está suficientemente esclarecido que o termo utilizado não teve a intencionalidade racista que foi levantada pelo jornalista da Rede Globo. Entretanto, ficamos intrigados por uma acusação de 2009 voltar à baila exatamente agora, quando o apresentador virá à nossa cidade para fazer parte do Festival da Juventude. Ora, não é também intrigante o fato de o nosso palestrante ser processado por racismo exatamente por aqueles que advogam que no Brasil não existe racismo? Não causa espécie, também, o fato de a crítica ao convite feito a Amorim ter sido veiculada no veículo de comunicação de propriedade daqueles que, em 2011, afirmaram que não entendiam “o que levaria uma pessoa a sequestrar uma criança negra?”
A disputa ideológica em uma sociedade democrática é autêntica e justa. Entretanto, é triste perceber como os grandes agentes ideológicos manipulam a informação e tentam afetar a honra dos seus supostos adversários de qualquer forma, utilizando suas ideias como metais maleáveis que se transformam a depender da ocasião.
Nós fazemos a defesa de Paulo Henrique Amorim, pois fazemos a defesa da democracia e do ser humano como instrumento essencial de transformação social rumo a uma sociedade emancipada. Não obstante, não fazemos uma defesa do negro pelo negro. Fazemos um combate ao racismo em todas as suas vertentes e prezamos pelo desenvolvimento do ser humano de forma plena. Exatamente por isso, não compactuamos com aqueles que matam nossos negros; com os que são intolerantes com nossa ancestralidade; com que assumem uma postura dominante para passar os ideais burgueses de uma elite branca e racista. Repudiamos negros e brancos que prestem serviço ao pensamento colonizador que escravizou, marginalizou, matou e continua a matar negros, índios e pobres.
Não podemos apoiar negros que tenham uma postura ideológica burguesa (para não utilizar o termo pejorativo “alma branca”). Paulo Henrique Amorim expressou exatamente este pensamento. Os comentários pífios de frações significativas da direita conquistense buscam nada mais que enfraquecer espaços construídos democraticamente, numa tentativa desesperada de tentar frear os avanços culturais que até aqui adquirimos. Em nosso exercício de reflexão, devemos pensar: quais cidades possibilitam a seus jovens espaços de entretenimento, humanização e construção cidadã?
Por fim, parabenizamos Rudival Maturano, Coordenador Municipal da Juventude, e o Prefeito Guilherme Menezes, pelo empenho e coragem de realizar um evento desta monta e garantir o protagonismo das diversas juventudes espalhadas pelos quatro cantos desta cidade.
*Uelber Barbosa é membro da Coordenação Municipal de Promoção da Igualdade Racial e Agente de Pastoral Negro.